quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Realidade Natural de um Regenerado - Capítulo 2.3

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Dando continuidade às atitudes necessárias ao regenerado para viver sua realidade natural, Watchman Nee agora faz uma interpretação do oferecimento da vida mencionado pelo apóstolo Paulo na terceira parte do sexto capítulo da carta aos romanos:

Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça. [...] Falo como homem, por causa da fraqueza da vossa carne [o Princípio do Pecado]. Assim como oferecestes os vossos membros para a escravidão da impureza e da maldade para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos membros para servirem à justiça para a santificação (Rm 6. 12-14, 19, grifo nosso).

Paulo já havia dito aos romanos que estes deveriam saber que o velho homem (com todas as suas concupiscências) já havia sido crucificado; mostrou àquela igreja que essa atitude de saber deveria ser acompanhada pela fé; agora, portanto, exige deles que não apenas considerem aquela verdade, mas ofereçam suas vidas como consequência dela. Em tom de ordenança, o apóstolo declara nestes versículos que o pecado não deveria “reinar” em seus corpos. Isso porque o Pecado como Princípio dominante perdeu completamente seu poder sobre a vida deles.

A atitude de "oferecer", de que se fala aqui [Rm: 6.13], é o resultado de eu saber que o meu velho homem foi crucificado. Saber, considerar-se, oferecer-se a Deus: esta é a ordem divina. Quando eu realmente sei que fui crucificado com Ele, então espontaneamente considero-me morto (vv. 6 e 11) e quando sei que ressuscitei com Ele de entre os mortos, então, considero-me "vivo para Deus em Cristo Jesus" (vv. 9 e 11), pois tanto o aspecto da Cruz denominado "morte", como o denominado "ressurreição" têm que ser aceitos pela fé. Quando chego a este ponto, segue-se que me dou a Ele. [...] A morte acabou com tudo o que não pode ser consagrado a Ele, e somente a ressurreição torna possível qualquer consagra­ção (NEE, 1986, p. 62, 63).


A consagração, de que se refere Watchman Nee, é a obediência a este mandamento: “oferecei-vos...”. Para ele, a santificação não consiste em uma batalha espiritual ferrenha em que o homem regenerado está no meio do “fogo-cruzado” e deve desviar-se das munições entremeadas na batalha. A Carne, como princípio pecaminoso no cristão, já foi vencida. Seu poder foi desfeito e seu senhorio destruído. E é justamente por isso, que a ordem de Paulo as cristãos em Roma é para que ofereçam plenamente suas vidas ao Senhor, porque o pecado como princípio controlador da vida humana foi derrotado na cruz de Cristo. A idéia trabalhada por Paulo é a de um Senhor que perdeu o direito legal sobre seu escravo, mas que continua vivo e pode ser servido caso aquele escravo, agora liberto, queira se sujeitar novamente a jugo de escravidão.
Desta forma, a santificação, na concepção de Watchman Nee, soa mais como uma consagração de vida do que uma guerra interior altamente mortífera onde o cristão encontra-se diariamente derrotado. Deve-se ressaltar, todavia, que A Vida Cristã Normal segundo Nee, não é percebida numa atmosfera de perfeição ou isenção de responsabilidade por parte do cristão na sua consagração. O autor não defende um estado de impecabilidade cristã, pois considera que a atmosfera na qual está situada a igreja do Senhor é pecaminosa.

Em que termos Deus declara que foi efetuada a nossa libertação? Não se diz que o pecado, como um princípio em nós, foi desarraigado ou removido. Não, porque está bem presente, e se lhe for dada oportunidade, nos vencerá e nos levará a cometer mais pecados, quer cons­ciente quer inconscientemente. É por essa razão que sempre devemos tomar conhecimento da operação do precioso Sangue. [...] O pecado, o velho senhor, ainda está presente, mas o escravo que o servia foi morto, estando assim fora do seu alcance. Seus membros agora estão desempregados. A mão que jogava de apostas fica desempregada, assim como a língua de quem xingava, e tais membros passam agora a ser úteis, em vez disso, "a Deus como instrumentos de justiça" (Rm 6.13) (NEE, 1986, p. 43-44).

A questão enfatizada por Nee não é a de que o cristão deve viver contemplativamente a experiência cristã sem trabalho ou exercício de piedade, mas de que a santificação do mesmo deve ser aceita como uma forma de gratidão ao que Cristo já fez por ele na cruz.
Como visto acima, Nee também adverte ao cristão que se não vigiar e se esquecer de que é nascido do Espírito, ele será derrotado em determinados momentos de sua vida. No entanto, as derrotas que porventura possam ocorrer não significam que o velho homem voltou a viver ou que o Princípio do Pecado voltou a nortear a sua vida, apenas que ele ainda não atingiu o estado de perfeição (quando aquele princípio será completamente extirpado dele e não terá mais influência alguma sobre o mesmo), o que acontecerá apenas quando este corpo mortal for revestido da incorruptibilidade (1 Co 15. 53, 54).

A minha entrega ao Senhor deve ser um ato inicial e fundamental. Depois, dia a dia, devo prosseguir, dando-me a Ele, sem me queixar do uso que Ele faz de mim, mas aceitando, com grato louvor, mesmo aquilo contra o qual a carne se revolta. Sou do Senhor e agora não mais me considero pro­priedade minha, mas reconheço em tudo a Sua soberania e autoridade. Esta é a atitude que Deus requer, e mantê-la é verdadeira consagração (NEE, 1986, p. 64, 65, 67).

O Rev. Jair de Almeida Júnior também faz considerações importantes a esse respeito:

Certamente, ao tratarmos da rejeição do estado passado, é impossível não destacar que, embora tal passado tenha definitivamente ficado para trás, pois está relativo a algo acontecido por completo na cruz de Cristo, há ainda um conflito que perdurará até a consumação final. Poderíamos chamar de “choque das eras”, uma atração que a antiga ordem de coisas ainda exerce sobre o regenerado, por ainda existir no mundo. Portanto, falar que a característica do regenerado é a santidade e nada menos se espera dele, não significa supor que viverá um estado de perfeição, nem mesmo sugere alguma medida de legalismo ou ainda, uma santidade wesleyana (ALMEIDA, 2006, P. 182).

O “choque das eras” é uma realidade existente e não pode ser omitida ou disfarçada. Apesar de ser completamente livre do poder manipulador do pecado, o regenerado não está completamente livre do poder tentador ou influenciador do mesmo, o que não justifica ceder a este poder. Em outras palavras, o cristão cairá em pecado todas as vezes que não estiver andando no Espírito, por meio de vigilância e oração (Mt 26. 41).
Anthony Hoekema concorda com este ponto de vista. Ele reconhece que, ainda que o velho homem do cristão tenha sido crucificado e a imagem de Deus restaurada no mesmo, ele não atinge a perfeição nesta vida: “Já temos a nova vida; ainda não temos a perfeição. [...] O fato de que CRISTO venceu por nós não elimina a necessidade de estar sempre sóbrio e vigilante para não incidir em maneiras pecaminosas de pensar e viver” (HOEKEMA, 1987, p. 75).
E ainda ao falar do conceito de Paulo a respeito de sua auto-imagem, Hoekema adiciona:
Quando lemos as epístolas de Paulo, não podemos deixar de perceber que, embora profundamente consciente de sua pecaminosidade [o Princípio do Pecado] e possuindo uma clara percepção de que continuava um homem imperfeito, Paulo tinha mesmo assim uma auto-imagem predominantemente positiva. [...] O fato de que às vezes ele cede à carne não significa que ele deve modificar sua auto-imagem para explicar essas falhas. Nessas ocasiões, ele está ‘fora de si’, está agindo de forma contrária à sua razão de ser (HOEKEMA, 1987, p. 24, 54).

É perceptível que em Cristo, segundo os escritos de Paulo, o homem pode e deve ter uma auto-imagem predominantemente positiva. A santificação, portanto, constitui-se em oferecer a nossa vida (com todas as suas faculdades e qualidades) completamente ao SENHOR, e somente a Ele.

A verdadeira santidade é esta. Paulo diz: "Oferecei agora os vossos membros para servi­rem à justiça para a santificação" (Rm 6.19). Façamos disto um ato definido. "Oferecei-vos a Deus". [...] O que é a santidade? Muitas pessoas pensam que nos tornamos santos pela extirpação de alguma coisa má den­tro de nós. Não, tornamo-nos santos desde que sejamos separados para Deus. Nos tempos do Antigo Testamento o homem escolhido para ser inteiramente de Deus era publicamente ungido com azeite, e dizia-se então estar "santificado". Daí em diante era considerado como pos­to à parte para Deus. De igual modo, os animais e até as coisas - um cordeiro ou o ouro do templo — podiam ser santificados, não pela extirpação de alguma coisa má neles, mas sendo assim reservado exclusivamente para o Senhor. "A santidade", no sentido hebraico, significava, pois, "posto à parte", e toda verdadeira santidade é santidade ao Senhor (Êx 28.36). Dou-me inteiramente a Cristo: isto é santidade (NEE, 1986, p. 64).

Quanto à remoção do Princípio do Pecado no cristão, essa se dá progressivamente e será finalizada apenas no estado de Glorificação, na segunda vinda do Senhor Jesus Cristo.
O Dr. Valdeci da Silva Santos, ao combater a heresia do “crente carnal” com os ensinos de John Owen, assim afirma: “Baseado em Romanos 8: 13, [John] Owen defende a tese de que ‘os mais seletos crentes, que estão seguramente libertos do poder condenador do pecado, devem ainda continuar, todos os seus dias, a mortificar o poder do pecado arraigado” (SANTOS, 1999, p. 60).
Este processo, segundo Owen, é chamado de mortificação. São “dois lados de uma mesma moeda”, embora sejam peculiares entre si. A doutrina da mortificação ensinada por John Owen, diferente da santificação interpretada por Nee na carta aos romanos, é a eliminação constante e progressiva que o cristão deve fazer da vontade da Carne, o Princípio do Pecado.
Owen sustenta o princípio de que o “o pecado – já completamente vencido na cruz - deve ser tratado implacavelmente e cortado pela raiz, ou ele reviverá e continuará a saquear seu coração e a minar seu vigor espiritual.” [...] Portanto, o conceito de mortificação para Owen é o enfraquecimento da carne na vida cristã, como um homem pregado na cruz, cuja morte é certa [e progressiva] (SANTOS, 1999, p. 61, 62).

É perceptível, então, que a doutrina da mortificação de Owen e a santificação de Nee, são duas coisas distintas, porém intimamente relacionadas. Desta forma, o cristão deve oferecer sua vida a Deus como uma atitude de gratidão pela transformação concedida por intermédio de Cristo e trabalhar para que a eliminação completa do Princípio do Pecado seja realizada em sua vida, através da oração, vigilância e meditação na Palavra de Deus.
Não obstante, Santos mostra que Owen não considerava o Princípio do Pecado como pecado em si, mas como gerador do mesmo:

Tentação, Segundo ele [John Owen], “é qualquer coisa, estado, maneira ou condição que, sob qualquer circunstância, tem a força ou eficácia de seduzir, retirar a mente e o coração de um homem da obediência que Deus requer dele diante de qualquer pecado, em qualquer grau.” [...] a tentação tem um duplo propósito: 1) Despertar a manifestação do mal existente no coração do ser humano [o Princípio do Pecado], e 2) desvia o ser humano da comunhão com Deus. Deve-se, contudo, atentar para o fato de que o ser humano só peca quando ele cai em tentação (SANTOS, 1999, p. 62).

Esta é a condição para que o cristão viva a realidade natural de um regenerado, segundo A Vida Cristã Normal, de Watchman Nee. Esta vereda do progresso como saber, considerar e oferecer, deve ser respeitada como condição essencial para a experiência desta nova realidade. Todavia, Nee deixa bem claro que depois de observar os passos acima, o regenerado desfruta de muitas bênçãos maravilhosas que talvez não experimentasse se não entendesse seu novo nascimento. Tais bênçãos, entretanto, são acompanhadas de uma advertência para que o servo do SENHOR não se esqueça da sua identidade em Cristo. E é justamente esta a questão a ser tratada no momento.

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