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2 a realidade condicionada
No tópico anterior foi analisada a interpretação feita por Watchman Nee dos oito primeiros capítulos da carta do apóstolo Paulo aos romanos. Segundo Nee, o apóstolo deixa claro que Deus providenciou a solução para a questão dos pecados (os atos pecaminosos) e do pecador (a libertação da Carne ou Princípio do Pecado). É importante lembrar, insistentemente, que Watchman Nee não defende a extirpação deste princípio na vida de um regenerado, mas, apenas, a libertação do mesmo. Em outras palavras, ele ensina que o cristão pode e deve viver esta nova realidade libertadora em Cristo, o que não significa perfeição ou impecabilidade. Este assunto será tratado com mais detalhes posteriormente. Por hora, basta compreender que libertação é diferente de extirpação.
A compreensão destes fatos deveria ser comum por parte de toda a igreja. Deveria, mas, infelizmente, é negligenciada pela grande maioria daqueles que foram nascidos do Espírito. “Alguém dirá: ‘Isso é muito simples; é o ABC do Evangelho’. Sim, mas a tragédia, com muitos de nós, é que nos desviamos do ABC” (NEE, 1986, p. 14). Muitos cristãos sofrem e agonizam desesperados, pois tem um desejo sincero de serem santos neste mundo, de viverem a realidade de estarem mortos para o pecado, mas são frustrados por não conhecerem a nova realidade de vida que já possuem em Cristo Jesus. Como viver, então, a realidade natural de um regenerado sem desviar destas verdades? Em A Vida Cristã Normal, Watchman Nee prossegue a interpretação da carta aos romanos e propõe uma resposta a este questionamento.
Uma breve recapitulação do que foi visto até o presente momento. O homem regenerado é liberto do poder do pecado. O apóstolo Paulo faz uma declaração asseverada aos romanos: “Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Rm 6.2) O pecado não tem mais poder sobre aquele que morreu para ele. Seu poder foi destruído e tornado inoperante sobre o homem nascido do Espírito, que é uma “Nova Criação” (2 Co 5. 17a – tradução da Nova Versão Internacional). Todavia, a nova criatura pode não perceber que, de fato, é uma nova criação! O missionário Watchman Nee faz questão de mostrar que há possibilidade de um regenerado não viver a realidade natural de sua nova natureza, por desconhecimento do ensino bíblico a seu respeito. Quando isso acontece o homem em Cristo vive como se estivesse preso à sua velha vida em Adão, quase como se fosse um semi-regenerado. E a problemática se agrava quando este homem tenta santificar-se pelos próprios esforços. O autor sugere, à luz dos ensinos de Paulo, que o cristão deve considerar alguns fatores para entender o propósito eterno de Deus para sua vida e, assim, não viver aprisionado a esta mentalidade carnal.
Continuando a interpretação da carta aos romanos, no sexto capítulo, Nee passa a mostrar que o apóstolo Paulo dá certas ordenanças aos crentes em Roma ensinando que, para se viver a nova realidade em Cristo Jesus , eles deveriam conhecer sobre esta realidade, considerar este conhecimento em sua vida prática e oferecer toda a sua vida como uma oferenda de gratidão pela inclusão graciosa na morte e ressurreição de Cristo. Cada um destes ensinos deve ser tratado isoladamente, embora estejam intimamente relacionados.
2.1 A Insuficiência do Conhecimento
Dando prosseguimento à sua interpretação do sexto capítulo da carta de Paulo aos romanos, Watchman Nee menciona a importância do seguinte trecho:
Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida. Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição, sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos; porquanto quem morreu está justificado do pecado (Rm 6. 4-7, grifo nosso).
Segundo Nee, as palavras do apóstolo mencionadas acima deixam claro que havia uma necessidade de que os romanos conhecessem sua nova realidade. Depois de revelar àquela igreja que seus pecados foram perdoados em Cristo, Paulo faz questão de mostrar que o velho homem também foi destruído e que os romanos deveriam ter plena consciência deste fato, já que fora realizado no passado (“foi crucificado...”) e que por meio da ação regeneradora e transformadora do Espírito, faz parte da nova realidade da Igreja.
Quando percebemos que todos os nossos pecados foram levados sobre a Cruz, o que fizemos? Dissemos, porventura: "Senhor Jesus, por favor, vem morrer pelos meus pecados"? Não, de forma alguma; apenas demos graças ao Senhor. Não Lhe suplicamos que viesse morrer por nós, porque compreendemos que Ele já o tinha feito. Esta verdade que diz respeito ao nosso perdão também diz respeito à nossa libertação. [...] Não há, portanto, necessidade de orar: "Sou uma pessoa muito má; Senhor, crucifica-me, por favor". Apenas precisamos louvar ao Senhor por termos morrido quando Cristo morreu. Morremos nEle: louvemo-Lo por isso e vivamos à luz desta realidade (NEE, 1986, p. 30).
A partir do momento de sua regeneração, o homem identificado com a morte de Cristo já experimenta esta nova realidade de vida. A questão é que muitos querem fazer desta nova realidade uma experiência futura, algo que ainda está por vir. O autor de A Vida Cristã Normal não faz referência ao estado de Glorificação dos eleitos, mas à imagem de Deus restaurada no pecador quando os efeitos subjetivos da co-crucificação foram aplicados na vida deste. Nee ainda faz uma advertência ríspida quanto ao fato deste conhecimento ser negligenciado: “Muitas das nossas orações a nosso favor, são proferidas porque somos cegos a respeito daquilo que Deus fez [por nós]” (NEE, 1986, p. 35).
Paranaguá também ressalta a importância da conscientização do regenerado a respeito de sua nova realidade.
[A Cruz] é o tratamento de Deus para a minha natureza pecadora. Jesus não veio apenas me substituir naquela cruz. A sua morte não era unicamente em meu favor. Ele veio, também, para me incluir no seu corpo e, deste modo, me fazer morrer juntamente com Ele. De fato, Jesus não precisava morrer. Ele não tinha pecado. A morte é um castigo por causa do pecado. E, neste caso, quem deveria morrer era o pecador. [...] Sendo assim, a morte de Jesus na cruz teria dois lados: um substitutivo, que aponta para o lado vicário e, o outro, inclusivo, que fala do aspecto legal. [...] Jesus nos substituiu a fim de nos incluir. Ele não poderia nos fazer morrer juntamente com Ele se antes não tivesse assumido o nosso lugar. Assim, a Sua morte tem dois aspectos marcantes (PARANAGUÁ, 2002, p. 47-48).
E o conhecimento destes dois aspectos jamais deve ser negligenciado por alguém que se declara nascido do Espírito. A verdade registrada nas Escrituras deve ser entendida e recebida como um fato totalmente realizado.
A obra consumada de Cristo realmente atingiu a raiz do nosso problema, solucionando-o. Para Deus não há meia medida. "Sabendo isto", disse Paulo, "que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos" (Rm 6.6). "Sabendo isto". Sim, mas você o sabe de fato? "Ou, porventura, ignorais? " (Rm 6.3) (NEE, 1986, p. 37-38).
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